jeudi 20 novembre 2008

AS MÁQUINAS DESEJANTES



O passeio do esquizofrênico: é um modelo muito melhor que o neurótico deitado no divã. Um pouco de ar livre, uma relação com o exterior. Por exemplo, o passeio de Lenz reconstituído por Buchner. É algo muito diferente dos momentos em que Lenz está na casa do seu bom pastor que o obriga a tomar uma posição social em relação ao Deus da religião, em relação ao pai e a mãe. Nas montanhas, pelo contrário, sob a neve, ele está com os outros deuses ou sem deus nenhum, sem família, sem pai nem mãe, com a natureza. “Que quer meu pai? É impossível que ele me possa dar algo melhor. Deixem-me em paz.”Tudo é máquina. Máquinas celestes, as estrelas ou o arco-íris, máquinas alpestres que se ligam com as do seu corpo. Barulho ininterrupto de máquinas. “Pensava que devia ser um sentimento de um infinita beatitude o ser tocado pela vida profunda de qualquer forma, ter uma alma para as pedras, os metais, a água e as plantas, acolher em si todos os objetos da natureza, sonhadoramente, como as flores absorvem o ar com o crescimento e o minguar da lua.” Ser uma máquina clorofílica ou de fotossíntese, ou pelo menos, fazer do corpo uma peça de tais máquinas.

Há por todo o lado máquinas produtoras ou desejantes, máquinas esquizofrênicas, toda a vida genérica: eu e não-eu, exterior e interior, já nada querem dizer.

Debaixo da pelo o corpo é uma fábrica a ferver,
e por fora,
o doente brilha,
reluz,
com todos os poros,
estilhaçados. (Artaud)

As máquinas desejantes são máquinas binárias, de regra binária ou regime associativo; uma máquina está sempre ligada a outra. A síntese produtiva, a produção de produção, tem uma forma conectiva: “e “, “e depois”... É que há sempre uma máquina produtora de um fluxo e uma outra que se lhe une, relizando um corte, uma extração de fluxos (o seio/a boca). E como a primeira, por sua vez, está ligada a outra relativamente à qual se comporta como corte ou estração, a série binária é linear em todas as direções. O desejo faz constantemente a ligação de fluxos contínuos e de objectos parciais essencialmente fragmentários e fragmentados. O desejo faz correr, corre e corta.

A ligação da síntese conectiva, objeto parcial-fluxo, tem, portanto, uma outra forma: a do produto-produzir. O produzir está sempre inserido no produto – é por esta razão que a produção desejante é produção de produçào, tal como qualquer máquina é máquina de máquina.

O esquizofrênico é o produtor universal. Não se pode destinguir o produzir e o seu produto; ou pelo menos, o objeto produzido leva o seu aqui para um novo produzir.

Produzir, produto, identidade produzir-produto...é esta identidade que constitui um terceiro termo na série linear: enorme objeto não diferenciado. Tudo pára um momento, tudo se cristaliza (depois, tudo recomeçará). De certo modo, seria melhor que nada andasse, que nada funcionasse. Não ter nacido, sair da roda dos nascimentos, sem boca para mamar, sem ânus para cagar. Estarão as máquinas suficientemente avariadas para se entregarem e nos entregarem ao nada? Dir-se-ia que os fluxos estão ainda demasiado ligados, que os objetos parciais são ainda demaiado orgânicos. Mas um puro fluido em estado livre e sem cortes, deslizando sobre um corpo pleno. As máquinas desejantes fazem de nós um organismo: mas no seio desta produção, na sua própria produção, o corpo sofre por estar assim organizado, por não ter outra organização ou organização nenhuma. “Uma paragem incompreensível”a meio do processo, como terceiro tempo: “Sem boca. Sem língua. Sem dentes. Sem laringe. Sem esófago. Sem estômago. Sem ventre. Sem ânus. O corpo pleno sem órgãos é o improdutivo, o estéril, o inengendrado, o inconsumível. Antonin Artraud descobriu-o, precisamente onde ele se encontrava, sem forma nem figura.

O esquizo dispõe de modos muito próprios de referência, pois dispõe de um código de registro particular que não coincide com o código social ou que só coincide com ele para o parodiar. O código delirante ou desejante apresenta uma fluidez extraordinária. Dir-se-ia que o esquizofrênico passa de um código a outro, que baralha todos os códigos, num deslizar veloz, conforme as questões que lhe são postas, não dando nunca duas vezes seguidas a mesma explicação, não invocando nunca a mesma genealogia, não registrando nunca do mesmo modo o mesmo acontecimento, e aceitando até, quando lho impõem e não está irritado, o banal código edipiano, pronto a entulhá-lo como todas as disjunções de cuja exclusão se encarrega esse código. Os desenhos de Adolf Wolfi são relógios, turbinas, dínamos, máquinas-celestes, máquinas-casas, etc. E a sua produção faz-se conectivamente, dos bordos para o centro, por camadas ou setores sucessivos. Mas as “explicações”que ele lhes junta e que modifica quando lhe apetece, recorrem a séries genealógicas que constituem o registro do desenho. Mais, o registro rebate-se sobre o prórpio desenho, por meio de linhas de “catástrofe”ou de “queda”que são outras tantas disjunções rodeadas de espirais. O esquizo consegue segurar-se no seus pés sempre vacilantes, pela simples razão de que é a mesma coisa de todos os lados, em todas as disjunções. E que, por mais que as máquinas-orgãos se agarrem sobre o corpo sem órgãos, este não passa a ter órgãos, nem volta a ser um organismo no sentido usual da palavra. Conserva o seu caráter fluido e deslizante. É assim que os agentes de produção colocam sobre o corpo de Schreber, se suspedem nele, tal como os raios do céu que ele atrai e que contêm milhares de pequenos espermatozóides. Raios, aves, vozes, nervos, estabelecem relações permutáveis de genealogia complexa com Deus, com as formas divididas de Deus. Mas é no corpo sem órgãos que tudo se passa e se registra: as cópulas dos agentes, as divisões de Deus, as genealogias esqudriantes e as suas permutações. Está tudo sobre esse corpo incriado, como os piolhos na juba do leão.

(Trechos de: O Anti-Édipo – Gilles Deleuze e Felix Guattari)

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3 commentaires:

αятηєѕѕ ●•∙ a dit…

Que difícil! É curiosa essa maneira de pensar. Como se tudo fosse visto pela funcionalidade e houvesse a todo momento um imperativo de produção sem limites, chegando a intensa expressão "máquinas desejantes".

"E que, por mais que as máquinas-orgãos se agarrem sobre o corpo sem órgãos, este não passa a ter órgãos, nem volta a ser um organismo no sentido usual da palavra. Conserva o seu caráter fluido e deslizante."

O esquizofrenico não percebe seus órgãos internos como o neurótico o faz. Mesmo que digam e tentem impor como se dispóem os órgãos, a percepção não muda por isso, apenas a forma de colocação das palavras, no fundo o problema continua o mesmo. Tenho tendência ao pessimismo, mas não chegaria a tanto.

Elizabeth a dit…

Passando para desejar um Natal de muita paz e um 2009 só de alegrias! Bjks.

Paulão Fardadão Cheio de Bala a dit…

Desenho bonito.