dimanche 11 janvier 2009

OLHAR Dois tipos de poder

As discordâncias entre instâncias da República apontam para a força explicativa dos conceitos de Foucault num cenário em que o divórcio entre povo e Estado parece fadado à crise de legitimidade


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jpaulo.cunha@uai.com.br

"Durante muito tempo, todas as estratégias políticas pareciam voltadas para a conquista do poder. As diferenças sociais, de classe e de condição de vida estariam submetidas a um jogo maior, a detenção do poder político e econômico. Com o poder na mão ou, em outra estratégia, derrubado o poder da burguesia, o horizonte se abriria para experiências mais libertárias e democráticas. O poder era o inimigo. O poder, por mais repetitivo que pareça, podia tudo. Essa concepção era capaz de unir a esquerda e a direita. Os dois lados do espectro político tinham visão unitária e monolítica do poder. Eles lutavam pelo poder.

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O filósofo francês Michel Foucault ensinou a desconfiar do poder, mas também a levá-lo a sério e a não perdê-lo de vista

Era assim que os mais importantes filósofos do século passado viam a estratégia política por excelência. Tratava-se de localizar as brechas do poder, fraturá-lo em oposição, guerrilhas e combate aberto para, depois, tomá-lo nas mãos e mudar a ordem do mundo. Tudo emanava do poder. Pensadores como Jean-Paul Sartre (1905-1980), por exemplo, asseguravam que a luta política passava necessariamente pelo partido comunista. Por trás dessa defesa, mais que a afirmação de um ponto de vista ideológico, estava uma concepção do poder como um todo. O que hoje chamamos de visão macro da sociedade.

"Para Sartre e os marxistas, a única crítica política era a crítica ao poder do Estado capitalista. Toda a opressão se dava em bloco. O capitalismo e sua visão de sociedade se realizavam enquanto projeto globalizante e que, por isso mesmo, precisava ser atacado também de maneira global. O olhar macro sobre a sociedade tinha ganhos evidentes na compreensão dos rumos políticos das nações, mas parecia não enxergar os detalhes. E, como se sabe, Deus, o Diabo e os ditadores moram nos detalhes. Foi exatamente nesse momento que o Michel Foucault (1926-1984) entrou em cena.

Sua concepção de poder ia na contramão do reino mágico do macro. Ele defendia o que nomeou como a microfísica dos poderes. Em primeiro lugar, poder não é uma coisa, mas um procedimento, uma disciplina. Não é algo dado, mas instância que se cria e se transforma com o jogo dos sujeitos em cena. Não se exerce sempre de forma unitária (o Estado manda e o cidadão obedece), mas tem astúcias e narrativas singulares e minudentes. O poder está em toda a parte. E precisa ser combatido em todas elas. A política é algo mais difícil do que parecia.

Filósofo brilhante, Foucault, no entanto, foi considerado por seus contemporâneos como fraco em política. Era inaceitável que um pensador como ele, libertário e crítico da burguesia, não se alinhasse com a esquerda e se perdesse no ataque a poderes microscópios. Racismo, gênero, homossexualismo, censura, vigilância, religião e outros temas que apontavam para exercícios de micropoderes eram, para os partidários da noção convencional de política, no mínimo uma perda de foco. Além disso, Foucault errou em apoios pontuais, como aos aiatolás do Irã, na figura de Khomeini, no fim dos anos 1970.

No entanto, a história parece ter dado mais uma volta e trazido Foucault de novo à baila em questões de política e poder. É cada vez mais claro que os poderes estão brotando a todo momento. É nítido que os novos focos de poder reescreveram a história política contemporânea. É evidente que deter o poder de Estado, por si só, não é mais garantia de nada. É transparente que as novas lutas pontuais e microfísicas são mais eficientes na crítica ao poder que todas as bandeiras liberais e de esquerda. A contemporaneidade política parece ser foucaultiana.

TODO E AS PARTES

Isso não é nem bom nem ruim. É um fato. A recente trombada entre integrantes do Judiciário e da hierarquia da Polícia Federal (PF), com o afastamento do delegado encarregado da Operação Satiagraha, e o acordo entre poderes republicanos (presidentes da República e do Supremo Tribunal Federal) mostram, no entanto, uma cisão entre duas concepções de poder, para prejuízo da cidadania.

Na opinião pública, hoje, há certeza de que muitas ações necessárias devem emanar da liberdade de ação de órgãos responsáveis por políticas de Estado, entre eles a PF. Quando a população vê a instituição agir com independência, sente que há um novo poder sendo gerado a seu favor. O fato de a centralidade do poder ser atacada em nome de ações particulares é um avanço da concepção foucaultiana em direção ao entendimento da população. Não será mais necessário esperar que o governo central tome decisões sobre tudo. A competência em defender o bem público não precisa estar no coração do Estado.

Assim, um governo, seja ele de neoliberal ou social-democrata, se submete a uma nova ordem de exercício da vontade política. Os enfrentamentos, de agora em diante, tendem a se dar de forma múltipla. Pode ser, por exemplo, numa ação direta de grupos homossexuais que lutam por reconhecimento no âmbito do direito de família. Ou na defesa de cotas para minorias em universidades. E até mesmo em favor de bandeiras ecológicas. Até ações como a luta pela reforma agrária, criada no seio de uma concepção marxista, ganham hoje outra dimensão, ao se aliarem com novas formas de organização da produção no campo.

Quando alcançam a dimensão do Estado, nem por isso essas demandas espontâneas perdem a inspiração plural. Para que se tornem realidade, vale tanto o mando do presidente como a ação local de um promotor ou o sucesso de uma manifestação popular. O universal é o valor, não a forma como ele se realiza na vida social. Depois de inspirar a filosofia, a psicologia, a história e a medicina, talvez o século 21 venha, finalmente, a se mostrar devedor de Foucault também em política.

Um exemplo rico dessa forma de motivação é a chamada Lei Seca, que proíbe o consumo de qualquer quantidade de álcool para quem quiser dirigir automóveis. A primeira atitude foi vertical (tradição brasileira de civilizar pela lei, e não o contrário). Nesse momento, todos se acharam no direito de criticar a lei em nome de valores muito menores, como a vontade pessoal de zoar a cabeça e o faturamento de donos de bares. No entanto, a verdadeira ação política veio das pessoas, que se organizaram para defender um ganho real de dignidade.

O que se passa hoje no Brasil é o triste divórcio entre uma concepção autoritária de poder e a defesa do exercício da crítica maneira múltipla e plural, como se a verdade viesse das bordas da sociedade para o coração do Estado. Da vida das pessoas para as instituições criadas para representá-las. Ao afastar o delegado encarregado da ação da PF, o Brasil se mostrou partidário de uma concepção ultrapassada e concentradora de poder. A sociedade, no entanto, parece ter entendido a lição e não deve abrir mão de sua resposta. Vai acatar, mas não vai permitir ser desacatada de novo.

A crítica ao poder é também uma forma de alerta."


fonte: http://www.estaminas.com.br/em.html
caderno Pensar, Sábado, 19 de julho de 2008

8 commentaires:

Marcus Alencar a dit…

Nossa, muito interessante e único seu blog, é ousada uma iniciativa com este de falar sobre política na web da forma você propõe.
Foucalt é um autor clássico e muitos outros bebem nesse fonte sabendo o valor desse no estudo do poder e suas formas de manifestação. Essas leituras são sempre importantes em dias como os nossos.

Anonyme a dit…

legal o texto
parabens pelo blog

Anonyme a dit…

Querido amigo avassalador...
de Foucault o que marcou mais minha vida foi a afirmaçãp de que sempre haverá meios de fuga!
o resto virou resto... se sempre terei uma saida não importa quanto haja prisoes fisicas ou psiquicas...
De Sartre... o que mais adoro é "Entre quatro paredes" - a frase " o inferno são os outros" posso completar os outros individuos diferenciados de mim e os outros individuos que residem em mim.
Ufa! quase que o comentario vira uma postagem...
Tambem gosto muito de filosofia.
venha nos visitar e votar TOP 30
http://avassaladorasrio.blogspot.com

Daniel Leite a dit…

O texto é realmente ímpar, uma reflexão muito interessante. Pelo que entendi, o que propõe é a noção de poder como um exercício de todos. Afinal, é esta a prerrogativa do sistema democrático. Criticar sem embasamento, jogar toda a responsabilidade em cima dos "líderes" e limitar-se a bater bumbo não são elementos que vão levar o país à frente. Consciência política é tudo.

Até mais!

Thiago Lenda a dit…

Nossa! estupendo! gostaria de conhecer mais sobre Focault, que livro vc recomenda?

Fernanda Maria a dit…

Desculpa a demora ...
Bem, pra falar a verdade eu não entendo muito disso entende, eu nem fico lendo ou vendo sobre politica na tv, me aborrece e acho sinceramente que as pessoas deveriam parar de por toda a culpa no governo afinal elas tambem tem culpa no cartorio, fomos nós que colocamos as pessoas,os politicos de quem hoje reclamamos, somos nos que jogamos lixo onde não devemos, fazemns casas e bairros onde não deveria existem nem mesmo uma casa, somos nos que insistimos em mudar para outra cidade sem nenhuma preucação e entaõ terminamos mendigos ou construimos casas onde a terra nem é nossa.
Depende e muito de nos fazermos um pais melhor.

Unknown a dit…

Gostei do post e vou mandar o link por e-mail p/ minha cunhada. Beijinhos!

Anonyme a dit…

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